CARLA REITA FARIA LEAL
Segundo o alto comissário de Direitos Humanos da ONU, o austríaco Volker Turk, o tráfico de seres humanos está presente em todas as regiões do mundo e as estimativas indicam que é a terceira atividade ilegal mais lucrativa. Muito embora seja um dos mais antigos crimes do mundo, ele continua a prosperar em pleno século 21, sempre buscando novas formas de ser cometido, em especial nas regiões onde há grandes crises humanitárias, geralmente causadas por conflitos armados, recessão econômica, emergências de saúde, desastres ambientais, entre outras calamidades, ou seja, em situações que aumentam as vulnerabilidades a que as pessoas estão expostas.
Assim, o tráfico de pessoas está diretamente ligado às desigualdades social, econômica, racial e de gênero, as quais são estruturais e duradouras, contribuindo para que os mais expostos sejam os grupos vulneráveis da população, tais como as mulheres e crianças pobres, os migrantes, os refugiados e os socialmente excluídos, os quais, para tentar melhorar a sua condição de vida, acabam aceitando propostas que depois se mostram enganadoras e abusivas.
Números divulgados pela ONU em 2023 indicam que, no mundo, cerca de 49,6 milhões de pessoas são vítimas de tráfico humano, número esse que vem crescendo a cada ano, especialmente impulsionado pelo avanço da tecnologia, da popularização dos websites, dos fóruns online e das redes sociais, que são usadas não só para recrutar as vítimas, mas também para anunciá-las e comercializá-las.
O tráfico humano ocorre para vários fins, mas principalmente para exploração sexual, submissão a trabalhos forçados, casamentos forçados, tráfico de drogas, extração de órgãos e adoção ilegal.
É um crime em que 70% das vítimas são mulheres e meninas, que são traficadas, em sua maioria das vezes, para serem exploradas sexualmente ou para casamentos forçados. Já os homens e rapazes geralmente são traficados para fins exploração em trabalhos em condições análogas à de escravo.
No Brasil, o crime de tráfico de pessoas é tratado no artigo 149-A, do Código Penal, que define como o crime os atos de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: remoção de órgão, tecidos ou partes do corpo; submissão a trabalho em condições análogas à de escravo; submissão a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal ou exploração sexual. É importante lembrar que o tráfico de pessoas não é só aquele internacional, ele pode ocorrer internamente, dentro do país, que aliás, é o que mais ocorre.
A pena prevista para tal crime vai de quatro a oito anos, podendo ser aumentada até a metade se for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; se for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; se o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função e se a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. Contudo, pode ser reduzida se o agente for primário e não integrar uma organização criminosa.
Segundo matéria jornalística divulgada no site do Senado brasileiro, “no Brasil, entre 2012 e 2019, foram registradas 5.125 denúncias de tráfico humano no Disque Direitos Humanos (Disque 100) e 776 denúncias na Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), ambos canais de atendimento do antigo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Entre os anos de 2010 e 2022 foram contabilizadas 1.901 notificações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN)”.
Entretanto, esses números são apenas a ponta do iceberg, já que a maioria dos casos não são denunciados. Ademais, ainda não há um sistema unificado de coleta de dados sobre esse crime. Isto porque os números existentes não podem sequer ser somados, pois são registrados por vários órgãos do governo e por instituições que usam critérios diferentes.
É urgente que tenhamos políticas públicas para enfrentar esse desafio enorme que é o combate ao tráfico de pessoas, as quais devem passar não só pela realização de campanhas de esclarecimento para população, em especial àquela parcela mais vulnerável ao crime, mas também pela garantia ao acesso a direitos fundamentais, como o direito à educação, à moradia, aos serviços de saúde, ao emprego e à renda. De igual modo, não devem ser negligenciadas as ações de repressão e responsabilização dos criminosos, além da atenção e proteção às vítimas e às potenciais vítimas.
Os governos federal, estaduais e municipais, assim como as organizações não governamentais e empresas privadas, enfim, toda a sociedade, devem atuar conjuntamente para o combate desse crime, incluindo-o nas respectivas agendas, colocando em prática os Planos Nacional, Estaduais e Municipais de combate ao tráfico, além de promover pesquisas, estudos e ações sobre o tema.
* Carla Reita Faria Leal é líder do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.
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