LUIZ HENRIQUE LIMA
Reza a lenda familiar que um dos meus bisavôs tinha três chapéus: um preto, um cinza-claro e outro cinza-escuro. O preto era reservado para solenidades oficiais e eventos como enterros ou velórios. O uso dos outros dois variava conforme seu estado de espírito. Nos dias alegres, escolhia invariavelmente o cinza-claro; quando estava triste, preocupado ou zangado, optava pelo cinza-escuro.
Aos poucos, aquela escolha intuitiva e quase automática que fazia logo cedo ao sair de casa passou a ser observada, primeiro pelos familiares, depois pelos vizinhos e finalmente pelos demais poucos moradores do pequeno vilarejo nas lonjuras do vale do rio do Peixe, no oeste catarinense.
Exagerada ou não, a estória confirma algo que a neurociência e a psicologia comportamental teorizaram algumas décadas depois
Assim, de longe se reconhecia o humor do velho Lima. Se vinha pela rua com seu chapéu cinza-claro, sabia-se que estava animado e todos se apressavam a cumprimentá-lo, sorridentes e dispostos a esticar um dedo de prosa e compartilhar um bom chimarrão. Mas se apontava com o chapéu cinza-escuro, sinal de que o humor não era dos melhores, as saudações eram mais distantes e formais e os diálogos encerrados mais rapidamente, como que em respeito a seja lá o que for que estivesse apoquentando o estimado vizinho. Então, não se esquentavam as chaleiras, nem se contavam anedotas.
A bem da verdade, cumpre assinalar que o bisavô era quase sempre extrovertido e bonachão, o que fazia com que o chapéu cinza-claro fosse muito mais usado que o cinza-escuro. Mas, talvez por esse motivo, quando vestia o cinza-escuro, ainda que por engano ou distração, a reação era imediata: nesse dia, poucos se lhe achegavam para conversar.
Exagerada ou não, a estória confirma algo que a neurociência e a psicologia comportamental teorizaram algumas décadas depois. Se você inicia suas atividades com boa disposição (chapéu cinza-claro), você atrai energias e reações positivas; do contrário (chapéu cinza-escuro), os percalços e dificuldades parecerão mais árduos e você terá menos ajuda para superá-los. Acredito que a maioria dos leitores já viveu algum tipo de experiência semelhante.
Recordei-me dos chapéus do bisavô, ao ler comentários sobre o resultado de uma pesquisa acerca do ânimo dos brasileiros diante das próximas eleições para presidente e para os demais cargos em disputa. Qual será o chapéu que escolheremos para comparecer às urnas?
De acordo com alguns especialistas, a exemplo de outros pleitos, grande parte de nossos compatriotas vestirá o chapéu da indiferença e do desprezo. Outras parcelas significativas tendem a decidir por usar os chapéus da raiva, da revolta ou do medo, ou até do nojo, ou de uma combinação qualquer entre eles.
A que destino melhor poderão esses chapéus nos conduzir? Com o devido respeito, todos esses me lembram do chapéu cinza-escuro do meu bisavô: quando vestido pela manhã, todo o restante do dia transcorria invariavelmente sombrio. A história ocidental registra diversos casos de decisões tomadas sob o impacto de emoções violentas que, longe de produzir soluções duradouras, multiplicaram tragédias.
Na eleição, cada um de nós contribui para desenhar o destino coletivo da nação. O que é determinante para guiar nossas escolhas? Com que chapéu tomamos as decisões sobre nossa vida familiar ou profissional? O caminho que escolhemos é guiado pela vingança ou pela esperança? Prevalecerá o ódio à política, ou a alguns de seus personagens, ou o amor à democracia e às liberdades?
Quanto a mim, apesar de não desconhecer tanta coisa triste e errada, que poderia justificar até mesmo o luto de um chapéu preto, vou procurar, lá no fundo do armário, talvez um pouco desbotado, e certamente meio fora de moda, um chapéu cinza-claro, desejando paz, trabalho, esperança e alegria para o futuro do meu país.
LUIZ HENRIQUE LIMA é conselheiro substituto do TCE.
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