MARCOS MACHADO
Em sessão administrativa do Tribunal Pleno, órgão formado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – TJMT com a competência para aprovar ou rejeitar atos de gestão inerentes ao Poder Judiciário estadual e julgar matérias de relevância constitucional, decidiu-se batizar o edifício ou prédio que abriga a estrutura física, mobiliária e de pessoal dos órgãos e serviços judiciários de segundo grau de "Palácio da Justiça Desembargador Ernani Vieira de Souza".
Naquela oportunidade, suscitei ao colegiado se não seria o momento ideal para refletir sobre a identificação pública dada ao prédio.
Primeiro por fidelidade semântica, diante da importância do significado das palavras na expressão, manifestação e comunicação, pois representam o sentido de seus enunciados, objetivos e propósitos (Dicionário Aurélio, 2013, emprego da semiótica na linguagem).
PALÁCIO, do latim Palatium, 'palatino', indica sentido de moradia imperial, do rei e dos nobres; castelo; representa tudo aquilo que é suntuoso (Dicionário Houaiss, 2009). TRIBUNAL, do latim tribunalis, é “assento dos juízes”, local destinado ao julgamento e à administração da Justiça. Já o significado de JUSTIÇA, também do latim justitia, “justiça, equidade”, em último grau é a qualidade do que está em conformidade com o que é direito; maneira de perceber, avaliar o que é direito, justo (Dicionário Houaiss, 2009).
Segundo porque a Justiça moderna, acessível e popular, não se coaduna mais com institutos palacianos.
Uso da violência e da força para governar, altos gastos para manter o luxo e as festas da corte, carruagens, espadas, faixas na veste, medalhas no peito, bustos de bronze ou granito, talheres de ouro e prata fazem parte de uma história de opressão, desigualdade, privilégio e domínio de minorias familiares ou classistas.
Desde a Revolução Francesa, período compreendido entre de 1789 a 1799 e marcado pela sucessão de eventos que alterou o quadro político e social da França, até então dominada pelo regime totalitarista, os direitos humanos passaram a ser respeitados pelas autoridades públicas, num ideário, ironicamente, de dois ingleses, Hobbes e Locke. O Rei – “O Estado sou eu” (Luis XIV e XV) -, que incorporava a justiça, impunha a economia, persuadia a religião e limitava o acesso da sociedade a direitos naturais, entre os quais a própria liberdade inerente à pessoa, foi decapitado e o Estado Absoluto substituído pelo Estado Liberal, constituindo o primeiro regime jurídico-político da sociedade que materializava as novas relações econômicas e sociais, cujas características foram: não intervenção do Estado na economia; vigência do princípio da igualdade formal; adoção da Teoria da Divisão dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário); e supremacia da Constituição como norma limitadora do poder governamental.
Passados mais de cem anos, surgia o Estado Social, numa reação ao capitalismo, na Rússia, iniciada em 1905 e consolidada em 1917. Iniciava-se com Lênin uma guinada na História da Humanidade, resumida principalmente pela: apropriação dos meios de produção pela coletividade; abolição da propriedade privada; redução das desigualdades sociais; tomada do poder pelos trabalhadores.
Nasce no século XIX, o Estado de Direito, que pode ser sintetizado pela relação institucionalizada entre a política e a lei. Em mais um grito coletivo, o povo buscou um regime estatal que pudesse ser desenvolvido e regulado pela ordem jurídica, com mecanismos de defesa aptos contra ações abusivas de autoridades públicas. Seus atributos foram: a imperatividade da lei para todos e a prevalência dos direitos fundamentais, sobretudo o respeito aos interesses sociais e coletivos.
No século XX, com a tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, regido pelos princípios de constitucionalidade, a sociedade já organizada num sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, estabelece-se a Justiça Social com os seguintes corolários: a divisão de poderes ou de funções públicas; a legalidade e a segurança jurídica.
A antítese da democracia é o totalitarismo. Este, por sua vez, foi decomposto pelos movimentos sociais ao longo dos dois últimos séculos.
Se não fosse triste, seria cômica a insipiência e insensibilidade sobre o
verdadeiro papel do magistrado na sociedade moderna, que está, cada vez mais, informada de seus direitos e, sobretudo, da verdadeira finalidade dos órgãos judiciários, Tribunais e Juízos de Direito. Logo, parece-me inadmissível pensar que o magistrado é um ser intocável e alheio aos anseios do povo.
Terceiro porque a vigente Constituição Federal virou a página do encastelamento judicial, em 5 de outubro de 1988, ao instituir em seu preâmbulo o Estado Democrático de Direito, no qual deve ser assegurado o exercício de direitos sociais e individuais, o bem-estar, a liberdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, sob a proteção de único e soberano Deus.
No contexto, enquanto o princípio da realidade não se consolida sobre o tema, expresso minha opinião, por acreditar que o homem não pode perder sua capacidade de se indignar, como defendia Stéphane Hessel. Senão, morre estando vivo.
Marcos Machado é desembargador do TJMT e Mestre em Política Social pela UFMT. Atualmente dirige a Escola Mato-grossense da Magistratura (emam.org.br).
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