RICARDO JOSÉ PEREIRA
Ultimamente, muito se tem falado em reforma trabalhista, sem se esclarecer realmente o que se pretende. Comenta-se em atualizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), liberar a terceirização e estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado.
O debate sobre a reforma do direito do trabalho brasileiro exige revelar o que está por trás dessas propostas, para que as ideias possam ser colocadas, refletidas e contrapostas. A intenção de aprovar medidas a qualquer custo, sob o rótulo de modernas e inevitáveis, para desqualificar e vencer possíveis alternativas ou resistências, representa postura autoritária e retrocesso inadmissível.
Mas o que exatamente almeja o discurso da modernização da CLT? A rigor, modernizar poderia ser entendido como preencher lacunas legislativas em relação a condutas levadas com alguma frequência ao Judiciário. O exemplo que pode ser citado é o assédio moral. Apesar da omissão legislativa visando à sua repressão, muitas práticas da espécie são julgadas pelos órgãos do Judiciário trabalhista.
Em momentos de crise, a flexibilização de direitos só favorece a expansão do capitalismo predatório. Outro exemplo de modernização da CLT poderia ser a alteração da base de cálculo do adicional de insalubridade sobre o salário mínimo. Na verdade, isso já foi providenciado pela Constituição de 1988 ao prever o adicional sobre a remuneração. Contudo, assim não entendeu o Supremo Tribunal Federal (STF), vislumbrando, na hipótese, omissão legislativa.
Além desses, pode-se pensar nas inúmeras pendências legislativas que impedem a concretização de preceitos constitucionais instituidores de novos direitos para os trabalhadores. Carecem de regulamentação, entre outros, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, o adicional para atividades penosas e a representação dos trabalhadores nas empresas de mais de duzentos empregados, só para mencionar alguns itens de extensa lista. Não obstante, a propagandeada "modernização da CLT" não parece cogitar de providências nesse sentido.
Se o objetivo é ampliar a negociação coletiva, a condição para tanto é a democratização das relações de trabalho no âmbito das empresas e das categorias. Para que as negociações possam se desenvolver em bases confiáveis, de acordo com os princípios da lealdade e boa-fé, é necessário facilitar informações e documentos sobre a realidade da empresa. Ademais, uma negociação efetiva pressupõe maior participação dos trabalhadores, inclusive em decisões que digam respeito aos rumos do empreendimento.
Acima de tudo, é fundamental a existência de representantes dos trabalhadores com garantia de emprego para agir em nome dos empregados das empresas e das categorias. Será que há disposição para se estabelecer um diálogo permanente a fim de valorizar a negociação coletiva? Ou apenas se buscam atalhos para suprimir direitos? Um dos eixos da "reforma trabalhista" consiste em duas reivindicações inconciliáveis: terceirização e negociação coletiva. A terceirização compromete a organização dos trabalhadores e o seu poder de barganha. Ou seja, não há base para uma autêntica negociação coletiva. Além disso, os empregadores formais não possuem margem para definir as condições de trabalho dos empregados, considerando que elas são pré-determinadas, na maior parte dos casos, pelos tomadores de serviços.
Em momentos de crise, a flexibilização de direitos, nessas circunstâncias, só favorece a expansão do capitalismo predatório, em que os grandes engolem os pequenos. Seja num contexto de crise real ou forjada, os direitos representam garantias importantes contra as tendências devastadoras que, rapidamente, destroem o que foi conquistado ao longo de muito tempo.
Os ataques às estruturas consolidadas abrem espaço para poderes "aleatórios e contingentes operados por forças dispersas e à deriva, soltas, sempre fora de controle e muitas vezes furiosas", na linha e com as palavras de Zygmunt Bauman.
O modelo do trabalho socialmente protegido deve resistir às investidas ultraliberais que, numa completa inversão dos valores constitucionais, difundem que os trabalhadores produzem mais quanto maiores são as suas dificuldades econômicas e a exposição aos riscos de toda natureza, como alerta Alain Supiot.
A liberalização das barreiras, mediante eliminação ou flexibilização dos direitos, provoca danos irreversíveis. Um deles, segundo Supiot, é deslocar a concorrência dos produtos para a concorrência dos ordenamentos jurídicos. Ou seja, a rentabilidade das empresas, nesta lógica, não decorre da qualidade dos produtos, mas do espaço que alguns ordenamentos jurídicos conferem para explorar mais e se responsabilizar menos pelos estragos das ações.
Submeter o nosso direito do trabalho à dinâmica do mercado total, tornando-o atrativo para práticas degradantes e precárias, atenta contra toda a sociedade brasileira e bloqueia, de uma vez por todas, o tortuoso itinerário para assegurar trabalho digno e decente aos brasileiros.
As reformas sociais anunciadas produzem enorme impacto na vida das pessoas. Não há por que promovê-las confiando na instabilidade das instituições, e a toque de caixa, sem observância rigorosa dos princípios democráticos.
RICARDO JOSÉ MACEDO DE BRITTO PEREIRA é subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho, doutor em Direito do Trabalho pela Universidade Complutense de Madri e professor titular do Mestrado em Relações Sociais e Trabalhistas do UDF.
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