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OPINIÃO Segunda-feira, 24 de Novembro de 2014, 16:41 - A | A

24 de Novembro de 2014, 16h:41 - A | A

OPINIÃO / LUIZ FLÁVIO BORGES

Tributo a Márcio Thomaz Bastos

Em 20 de novembro o dia amanheceu triste

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO



Neste dia 20 de novembro de 2014 o dia amanheceu triste, pois um vazio tomava conta da comunidade jurídica brasileira, diante da morte do grande advogado criminal Márcio Thomaz Bastos, aos 79 anos de idade.

A notícia de sua morte repercute juntamente com o lamento pela perda dessa criatura que tinha paixão pela Advocacia e colecionava miniaturas de advogados de todo o mundo, aliás, foi por sua causa que há anos comecei também minha coleção.

Márcio, como gostava de ser tratado, era da turma de 1958 da Faculdade de Direito da USP e foi contemporâneo de meu pai, Umberto Luíz D’Urso, formado na turma de 1956 e também falecido no último dia 05 de novembro.

Em 1982, quando me formei e presidi a comissão de formatura, meu pai sugeriu-me que procurasse o Márcio, então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, para pedir-lhe que redigisse uma mensagem aos formandos, para constar do nosso convite de formatura.

Foi meu primeiro contato direto com o grande advogado Márcio, sereno, calmo, de fala mansa, muito bem articulado, encantador. Fui recebido por ele, em seu escritório da Avenida Liberdade no centro de São Paulo, cujas instalações me apresentou sem qualquer pressa. Seguiu-se uma longa conversa que marcaria meu destino.

No limiar dos meus 22 anos, pude indagar e saber sobre a vida daquele que já era um símbolo como advogado criminalista, uma grande liderança da advocacia, inclusive como era ser líder da classe presidindo a OAB/SP, a qual já liderava a sociedade em seus momentos mais decisivos.

Pude revelar que o assisti no júri do cantor Lindomar Castilho, quando da tribuna da assistência da acusação enfrentou outro monstro da advocacia criminal que tanto me influenciou, o imortal Waldir Troncoso Perez.

Foi dessa conversa que nasceu minha determinação de servir a nossa classe e presidir a OAB/SP, o que veio se concretizar em 2004, quando fui eleito para a primeira de minhas três gestões como presidente da Ordem paulista (2004 a 2012).

A mensagem que o Márcio redigiu para o nosso convite de formatura, pude, como orador da turma, agradecer e recitar, pois dizia: “A nossa profissão é, por si só, um exercício de democracia. Cada demanda em que nos envolvemos nos ensina que a verdade não está pronta e que para chegar perto da justiça precisamos esperar e respeitar a opinião do outro. Por isso, acredito firmemente que os advogados têm um papel muito importante a viver na construção da democracia brasileira” (1982).

Só isso já bastaria para que o Márcio tivesse marcado indelevelmente minha vida, mas não foi o bastante. Quando ouvia seus discursos, um entusiasmo tomava conta de minha alma. Alguns oradores sempre me fascinaram e o Márcio era um deles.

Durante a constituinte (1987/1988), Márcio já era o presidente nacional da Ordem e por incontáveis oportunidades, nos domingos à noite, viajávamos juntos para Brasília, acompanhados de Rubens Approbato Machado, que comigo integrava o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

Durante essas viagens, longas conversas a três, Márcio nos relatava sua luta em defesa da classe junto ao Congresso Nacional. Approbato presidia o Instituto dos Advogados de São Paulo e depois veio a presidir a OAB e eu presidia a Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo – Acrimesp. A conversa invariavelmente era focada nas questões de interesse da classe. Como aprendi com ambos nessas horas de vôo!

Em 1990, em Curitiba, quando os presidentes das entidades estaduais de advogados criminais resolveram fundar a nossa Associação Nacional, que hoje honrosamente presido, Márcio estava lá conosco, apoiando-nos, juntamente com Elias Mattar Assad e José Roberto Batochio que também fora presidente da OAB.

A vida nos reservou mais momentos comuns, pois quando presidi a OAB/SP, Márcio assumiu o Ministério da Justiça, o que nos propiciou inúmeras conversas, além de um canal aberto com o Ministro para levar a ele os assuntos que sempre dava-nos muita satisfação, a defesa da Advocacia.

Tivemos momentos difíceis, como aquele em que a Polícia Federal, cumprindo mandados judiciais de busca e apreensão, invadiam escritórios de advocacia para recolher documentos de clientes. A par de inúmeras providências tomadas, fomos, com um expressivo grupo de advogados, dentre eles Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que também presidiu a OAB/SP, ao então Deputado Federal Michel Temer e ao Ministro Márcio, que reagiu e passou a estabelecer balizamentos à ação policial, protegendo os arquivos invioláveis dos advogados.

Outro momento que merece registro, foi quando, em nome da Ordem, procurei o Márcio Ministro, para alertá-lo sobre projeto de lei que estava para ser sancionado e que flexibilizava o sigilo profissional, obrigando os advogados a denunciar seus clientes. O texto não foi sancionado e depois foi modificado, resguardando a advocacia.

Mais recentemente pude, usando o exemplo do caso do Márcio, que já havia voltado à advocacia, emitir posição oficial da Ordem paulista, protestando e reagindo contra as investidas que desejavam que os advogados investigassem a origem do dinheiro que recebiam de seus clientes a título de honorários.

Atualmente o Márcio não estava distante, mas sempre próximo para dialogar sobre casos atuais, nos quais as garantias constitucionais dos acusados são colocadas à prova.

Sua atuação e preferências políticas é de todos conhecida, todavia ele nos ensinou que a defesa não tem bandeira ideológica ou partidária, e usou de sua profissão para defender o acusado ou a vítima, independente de suas convicções, de qualquer natureza, pois a justiça é incondicional.

Assim era para mim o Márcio, diferente, que durante toda sua vida insistia em chamar-me de Luiz Flávio, como somente meu pai e minha mãe sempre me chamaram.

Presto aqui, carinhosamente, minha homenagem ao Márcio, que dizia que ele defendia o homem da culpa legal, pois a avaliação da culpa moral não lhe cabia, mas era atribuição do Criador.

Como falei recentemente sobre meu pai, algumas pessoas não morrem, mas se eternizam no exemplo que permanece em nossos corações, assim, Márcio Thomaz Bastos não morreu, mas viverá no legado que deixou para nós e para as futuras gerações de apaixonados pela advocacia e pela democracia!

Luíz Flávio Borges D’Urso é advogado criminalista do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados. Mestre e doutor em Direito Penal pela USP, Conselheiro Federal da OAB, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, Presidente do LIDE Justiça, foi Presidente da OAB/SP por três gestões (2004/2012).

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