ANGELA GUTIERRES
A Lei nº 11.977/2009 que normatizou o Programa Minha Casa, Minha Vida na esfera do Governo Federal sofreu importante alteração ditada pela Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011 que, acabou por alterar o Código Civil Brasileiro, no que se refere à usucapião urbana.
Isso porque, em seu art. 9º, acrescentou o art. 1.240-A ao Código Civil, onde reconheceu uma nova modalidade de aquisição de propriedade por usucapião que, vem sendo chamada de “usucapião familiar”, “usucapião pró-família”, “usucapião por abandono de lar”, “usucapião conjugal”, dentre outras formas.
Com isso, quis o legislador conferir proteção ao cônjuge ou companheiro que permanecer residindo, após a separação, no imóvel onde a moradia do casal era comum, desde que se constitua em imóvel urbano e de área não superior a 250 metros quadrados.
Assim se vê, na nova redação:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
Por ocorrer a usucapião entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, será possível seu reconhecimento para ex-casais do mesmo sexo ou de sexos diferentes, de modo que a interpretação da nova norma, possa se coadunar com a recente decisão do STF e as inúmeras decisões dos diversos Tribunais do país que, vêm reconhecendo a união estável de pessoas do mesmo sexo.
O objetivo principal da norma posta é, sem dúvida, a proteção da moradia de forma desembaraçada e sua finalidade social. Sabe-se que, em muitos casos, o co-proprietário que se separa e reconstrói sua família, não volta para resolver a questão patrimonial pendente. Assim, a nova lei tem como propósito garantir o direito à disponibilidade do bem de moradia, inclusive, porque aquele que nele permaneceu, acaba por arcar sozinho com as despesas de sua manutenção e impostos.
Nesse diapasão resta difícil de compreender, por que a nova lei privilegiou somente as pessoas, cujos bens sejam urbanos, quando reconhecidamente, na zona rural às necessidades motivadoras da proteção, encontram-se igualmente presentes. Acrescente-se a isso que, os moradores da zona rural se encontram, na maior parte das vezes, mais distantes das políticas públicas protetivas.
Dos requisitos para a concessão da usucapião familiar, vemos: a) a propriedade deve ser dos cônjuges ou companheiros, independentemente se do mesmo sexo ou não; b) o imóvel deve ser urbano e sua dimensão não pode ultrapassar os duzentos e cinqüenta metros quadrados; c) o exercício da posse deve ser por dois anos ininterruptos e sem oposição, com animus domini (comportamento de quem age como dono); d) a posse direta do cônjuge que permaneceu resultar do “abandono” de lar; e) a utilização do imóvel deve ser para moradia do co-proprietário ou de sua família; f) não possuir outro imóvel (rural ou urbano) e g) o benefício utilizado uma única vez.
A questão do abandono de lar pelo ex-cônjuge é requisito controvertido, uma vez que, com o advento da Emenda Constitucional 66/2010 que, regulou o divórcio incondicionado, perquirir a culpa nas dissoluções das uniões, tornou-se inconstitucional, já que, não há como se encontrar a “culpa” pelo final do amor e do afeto. Desse modo, para alguns doutrinadores, a melhor interpretação exige que se reconheça a separação de fato, como sendo o marco, do que o legislador chamou de “abandono de lar”. Para outros, o abandono de lar tem de ser compreendido como o abandono patrimonial voluntário e imotivado.
Daí a oposição a que a lei se refere, significar a necessidade de que, o ex-cônjuge ingresse judicialmente com alguma medida que, possa demonstrar seu interesse na preservação do patrimônio que ficou, quando do rompimento da convivência. Muitas são as medidas que podem ser compreendidas para esse fim, tais como: a ação de divórcio, dissolução de união estável, ação de partilha, arbitramento de aluguel, concessão de usufruto, fixação de comodato, etc.
A questão dos bens móveis que guarneceram a moradia comum é outro fator, a ser considerado, uma vez que, pelo art. 1260 do CC, a usucapião de bens móveis, tem como prazo aquisitivo três anos, ou seja, período superior ao que, a lei aqui tratada estabelece. Fazer distinção entre o bem imóvel (moradia) e os móveis que integravam o lar conjugal é de causar indignação.
Quanto à aplicabilidade do novo dispositivo, a contagem dos dois anos, somente deve ser iniciada a partir da vigência da lei, ou seja, junho de 2011, já que a regra dos efeitos da lei no tempo é o da irretroatividade. A lei só retroage em situações excepcionais e de acordo com o interesse social, o que não se vê, na presente situação.
A competência para processamento e julgamento é das Varas de Família, visto tratar-se de uma modalidade diferente de usucapião - em tese, afeta ao Direito das Coisas - que tem como fundamento a relação de conjugalidade ou de companheirismo.
Por isso mesmo, o processamento se afasta do rito previsto nos arts. 941 e seguintes do CPC, voltado às outras espécies de usucapião. Como a nova lei não explicita o rito a ser seguido, deve-se adotar o procedimento ordinário, à luz do permissivo contido no art. 271 do CPC.
Por certo, muitos serão os debates e desafios que surgirão a respeito dessa nova modalidade de aquisição de propriedade, a usucapião familiar, chamando a todos os integrantes das áreas jurídicas, juízes, advogados, doutrinadores, promotores, etc, à responsabilidade de concretizar na vida as elevadas intenções da lei, sempre observando as peculiaridades do caso concreto.
Angela Regina Gama da Silveira Gutierres Gimenez é juíza Titular da Primeira Vara Especializada de Família e Sucessões de Cuiabá e vice-presidente do IBDFAM– Mato Grosso
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