LISLAINE DOS ANJOS
MIDIANEWS
A absolvição do empresário Josino Guimarães, 56, da acusação de ter mandado matar o juiz Leopoldino Marques do Amaral, em 1999, ainda gera polêmica nos meios jurídicos e políticos de Mato Grosso. O caso ganhou repercussão nacional, em função do questionamento levantado pelo Ministério Público Federal, que atuou na acusação, sobre o veredito, considerado contraditório.
Após a noite de quinta-feira (1º), muitos se perguntaram o que levou os jurados a absolverem o empresário.
Além da inexistência de provas que pudessem assegurar o papel de Josino na suposta trama montada para executar o juiz, a defesa, composta pelos advogados Waldir Caldas e João Nunes da Cunha Neto, também desempenhou um papel interessante, surpreendendo a platéia, ao buscar desconstruir, durante os debates, cada argumento apresentado pela acusação.
Na verdade, a "falta de provas" foi o principal obstáculo apontado pelos procuradores da República, Vanessa Scarmagnani e Douglas Araújo. Ambos afirmaram, por diversas vezes, que apurar e julgar crime de mando é relativamente difícil, uma vez que, raramente, poderão ser encontrados contratos assinados ou recibos de “serviços de execução” feitos a mando de alguém.
Segundo os representantes do MPF, crimes de mando, normalmente, se baseiam em depoimentos e indícios que comprovem uma ligação entre o executor e o mandante.
Apesar de apresentarem depoimentos dados à Polícia Federal e em Juízo de pessoas que apontavam Josino como suposto interessado em ordenar a morte do juiz, bem como transcrições de interceptações telefônicas que poderiam comprometer o empresário, tais indícios parecem ter convencido os jurados de que o empresário poderia estar, de alguma forma, envolvido na trama.
Isso porque eles responderam sim ao quesito que dispunha sobre sua atuação como mandante do homicídio, mas também aceitaram absolver o empresário, o que foi considerado contraditório e levou a platéia a imaginar que os indícios não foram suficientes para garantir sua condenação.
Debates
Durante os debates, os representantes do MPF buscaram traçar uma linha do tempo acerca da personalidade e dos relacionamentos desenvolvidos por Josino, durante a sua vida, começando por uma situação em que o empresário, com 25 anos, participou do que classificou com uma “brincadeira”.
Josino e um grupo grande de amigos prepararam uma bomba caseira e a acenderam dentro do estádio Verdão, em um dia de jogo, na década de 90, fazendo cadeiras voarem “lá para o meio do campo”, segundo o próprio empresário. Ele não foi condenado pelo ato, como salientou o MPF.
Outro episódio, envolvendo um amigo que carregava “cigarrinhos ilícitos” consigo dentro de um veículo, também foi citado, apontando que Josino, mais uma vez, não teve sua participação notada.
Em seguida, os procuradores da República buscaram apontar as amizades e relacionamento que Josino teria passado a desenvolver com pessoas que iam de juízes e desembargadores, até donos de factorings e pessoas envolvidas com o narcotráfico.
Eles criticaram, ainda, a “vida fácil” que teria sido levada pelo empresário, que, durante sua própria oitiva, afirmou que sempre contou com o pai para ajudá-lo, principalmente em problemas financeiros.
Como resposta, o advogado Waldir Caldas salientou que o ditado “diga-me com quem andas que te direi quem és” não pode ser usado como uma máxima do Direito. Segundo Caldas, ali estavam para julgar o que o empresário efetivamente fez – ou deixou de fazer –, e não suas amizades ou história de vida.
A defesa também criticou que os dois depoimentos tomados como principais elos entre Josino e o assassinato do juiz fossem dados por duas pessoas que, como foi dito pelo advogado João Nunes da Cunha Neto, se tratavam de uma “facínora” (Sargento Jesus, já falecido) e de "uma mulher dissimulada e feia” (Beatriz Árias, condenada em 2001 como coautora do assassinato do magistrado). Segundo ele, ambos queriam apenas extorquir o seu cliente.
Por essa razão, o advogado procurou apontar ambas as testemunhas como pessoas em descrédito na sociedade e que, pelo histórico e “fama” desenvolvida, um como pistoleiro e a outra já condenada pelo crime, não deveriam ter seus depoimentos “levados a sério”.
A defesa buscou plantar na cabeça dos jurados a semente da dúvida, a fim de convencê-los a inocentar o empresário, baseados na máxima "in dubio pro reu", que, traduzida livremente do latim, significa "na dúvida, a favor do réu". Ao que parece, foram bem-sucedidos.
Pontos controversos
Um ponto salientado pelo Sargento Jesus em seu depoimento – e usado pelo MPF – foi de que Josino teria pedido a ele para dar um “arrocho” no dono de uma construtora, à qual ele havia pago para que entregassem madeira em Chapada dos Guimarães, para a finalização de sua casa, o que, da maneira como foi salientado pelos procuradores, reforçaria a tese de que Josino já teria contado com os serviços prestados pelo pistoleiro.
Em seu depoimento, o Sargento Jesus afirmou que não se recordava do nome da empresa, apenas que ela se localizava “na esquina da Avenida Ipiranga com a Rua Major Gama”. O problema, como salientou Cunha Neto, é que tal cruzamento não existe.
“(O Sargento Jesus) não conhece nossas ruas, não conhece nossa história e ninguém foi lá investigar o endereço, ver se existia uma construtora, se esse cruzamento existia”, afirmou o advogado.
Além disso, a defesa criticou, já no fim de sua explanação, que o próprio MPF, durante o julgamento da ex-escrivã Beatriz Árias, pediu para que fosse retirada a qualificadora que apontava o ato do homicídio como tendo sido praticado mediante paga ou promessa de recompensa.
“Como é que agora querem apontar um mandante?”, indagou Cunha Neto.
Ligação
Além disso, os procuradores salientaram que havia um elo entre Josino e a coautora do assassinato, Beatriz Árias. Segundo depoimentos, o então advogado de Josino, Zoroastro Teixeira, teria procurado o delegado de Polícia civil, João Bosco, para que ele fizesse uma proposta de R$ 500 mil a Joamildo Barbosa (irmão de Árias), a fim de que a irmã não citasse o nome de Josino em seus depoimentos.
O valor seria dividido entre os quatro e Joamildo revelou, em sua oitiva, ter ganhado um aparelho celular para entrar em contato direto com João Bosco e mais um “sinal” de R$ 6 mil, para “ajudar a pensar na proposta”.
No entanto, a defesa salientou que não houve meios diretos de comunicação entre o empresário e a ex-escrivã, muito menos pagamentos efetuados.
Outra proposta teria sido feita, há cerca de quatro meses, dessa vez de R$ 1 milhão, para que Árias não citasse o envolvimento de Josino na trama. Mais uma vez, a proposta teria sido recusada e o intermediador seria o seu irmão, Joamildo, que teria sido procurado pela esposa de um preso identificado como João Leite, que estaria preso com o empresário.
Em sua oitiva, Beatriz Árias repetiu que o juizl teria lhe dito estar sofrendo ameaças de Josino e, por essa razão, fugia do país.
Mas ela também salientou não conhecer o empresário, tendo sido informada de sua existência apenas no dia em que seguia com Leopoldino para o Paraguai, viagem da qual o magistrado não mais retornou com vida.
Leopoldino Marques do Amaral foi encontrado morto em setembro de 1999, em Concpeción, no interior do Paraguai, faltando apenas uma semana para depor na CPI do Judiciário, em Brasília.
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