LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
A juíza Vanessa Curti Perenha Gasques, da 2ª Vara Federal em Cuiabá, condenou a União, o Estado e a Prefeitura de Cuiabá a indenizarem em R$ 80 mil, por danos morais, uma criança que desenvolveu paralisia do lado esquerdo do corpo após tomar três vacinas.
A decisão é do dia 19 de março e cabe recurso.
Além da indenização, o Poder Público terá que arcar com pensão mensal vitalícia no valor de um salário mínimo.
Na ação, a mãe M.G.S.B. disse que em janeiro de 2012 foi levar seu filho a um posto de saúde da Capital para a aplicação de três vacinas: hepatite B, anti-pólio e tetravalente. Na época, o menor tinha seis meses de vida.
Segundo ela, seis horas após a aplicação das vacinas o menino começou a passar mal e, no dia seguinte, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e ficou com o lado esquerdo do corpo paralisado.
“Os problemas sofridos pelo autor foram ocasionados pela vacina nele aplicada, restando assim caracterizado a responsabilidade dos réus, pelas sequelas sofridas assim como pelo seu tratamento, uma vez que a qualidade, conservação e riscos da vacina aplicada era de sua responsabilidade, por serem estes os fornecedores da mesma”, diz trecho da ação.
Já a União, o Estado e a Prefeitura alegaram que não existe comprovação de que a paralisia sofrida pelo menor tenha sido causada pelas vacinas ou pela forma como as mesmas foram aplicadas.
“Dever explícito”
Na decisão, a juíza Vanessa Gasques mencionou que para o Poder Público ser responsabilizado a indenizar um cidadão, é irrelevante se houve ou não culpa, “bastando o nexo de causalidade entre fato e dano”, no caso, entre as vacinas e a paralisia.
“Para afastar sua responsabilização, cumpre ao Estado demonstrar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior”.
Hoje, o autor está com quase 07 anos e, em virtude das sequelas do AVC, muitas devem ser as frustrações pelas experiências que não pode vivenciar e pelo que irá enfrentar ao longo da vida
A magistrada explicou que quanto às vacinas, o Poder Público assume o risco de que algumas pessoas desenvolvam reações adversas à imunização e deve assumir a responsabilidade caso isso ocorra.
“Tal risco, à evidência, deve ser inferior ao que haveria se toda a sociedade não estivesse imune. Daí, justamente, a necessidade de indenização às hipóteses que fogem da normalidade”.
“Aliás, especialmente porque a vacinação representa tão grande benefício à coletividade (não-acometimento por doenças sérias e fatais, bem como redução de despesas médicas e hospitalares decorrentes da erradicação de doenças), justificando completamente a adoção desse tipo de plano de saúde pública de imunização, é que o Estado deve àqueles que, excepcionalmente, desenvolveram reações adversas graves à vacina, todo o apoio possível para atenuar-lhes o sofrimento”.
De acordo com Vanessa Gasques, apesar de as perícias médicas não terem afirmado com absoluta certeza que a paralisia foi ocasionada pelas vacinas, “também não afirmaram, com absoluta certeza, que não foram”.
“Os peritos apenas dissertaram que na literatura médica havia casos relatados de AVC pós-vacinal (fl.322 e 388), mas sem estudos controlados, científicos, para comprovar tal ocorrência e que poderia ser apenas uma coincidência temporal”.
A juíza entendeu que as perícias e as demais provas trazidas na ação demonstraram que as lesões neurológicas sofridas pelo menos decorreram de complicações que sugiram logo após a aplicação das vacinas.
"Como não houve, no caso, qualquer outro motivo que não a vacina a provocar o quadro clínico da criança, que culminou na sua moléstia de natureza permanente e irreversível com limitações neurológicas, motoras e comportamentais, deve o Estado ser responsabilizado por ter gerado a situação de risco que lhe deu causa. O dever de indenizar, portanto, está explícito”.
Ainda segundo a magistrada, o Poder Público em nenhum momento conseguiu comprovar que não teve responsabilidade sobre a situação ou que a culpa foi da vítima ou de terceiros.
“Ressalte-se que, somente com 06 meses de vida, o autor foi obrigado a peregrinar por hospitais, chegando a permanecer 13 dias internado, convivendo com as agruras conhecida do serviço público de saúde, longe do aconchego do lar e de outros familiares”.
Vanessa Gasques citou que, por conta do episódio, a criança ficou impossibilitada de viver as experiências próprias da infância, como engatinhar, dar os primeiros passos, as primeiras palavras, etc.
“Hoje, o autor está com quase 07 anos e, em virtude das sequelas do AVC, muitas devem ser as frustrações pelas experiências que não pode vivenciar e pelo que irá enfrentar ao longo da vida”.
“Partindo, pois, de julgados aplicáveis à espécie, considerando como balizas para o arbitramento a gravidade das circunstâncias e o fato de que a reparação não deve ensejar enriquecimento indevido, arbitro os danos morais devidos ao autor na quantia de R$ 80.000,00, valor que entendo ser razoável para ressarcir e mitigar o dano suportado”, decidiu.
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