RAMON MONTEAGUDO
DO MIDIANEWS
Um dia após ter sua residência e seu gabinete como alvos de busca e apreensão da Polícia Federal, o juiz federal Julier Sebastião da Silva recebeu, entre uma audiência e outra, a reportagem do MidiaNews para uma entrevista exclusiva.
Demonstrando serenidade, mas uma expressão relativamente abatida, em decorrência do impacto dos acontecimentos recentes, ele explicou o que sabe sobre a suspeita de que teria dado uma decisão favorável à construtora Encomind.
Atuando há 18 anos como magistrado, e responsável por decisões importantes, como a prisão do ex-bicheiro João Arcanjo Ribeiro, Julier falou, também, de como se sente após ter seu nome envolvido em uma operação da PF.
“Olha, me sinto indignado, porque sempre pautei meu trabalho, sempre agi, para que meu nome fosse uma referência de ética e honestidade na sociedade mato-grossense. Foi uma surpresa extremamente desagradável”, afirmou, em seu gabinete, na tarde desta terça-feira (26).
Ele explicou que seu nome não está relacionado à questões envolvendo factorings, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro, alvos da Operação Ararath.
Julier afirmou que considera sua decisão, relacionada à Encomind, técnica e normal.
“Eu deferi, parcialmente, o pedido. Fato que não atendeu ao intento da empresa, que era obter uma certidão negativa. Tanto, que a própria advogada, na interceptação telefônica, reconhece que não houve qualquer beneficio à empresa”, afirmou.
O magistrado falou ainda sobre possíveis motivações relacionadas à ação da Polícia Federal e como irá agir daqui para a frente.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews: A residência e o gabinete do senhor foram alvos de busca e apreensão pela Polícia Federal, na última segunda-feira. O senhor sabe o porquê dessas diligências?
"Na minha decisão, concedi parcialmente o pedido da Encomind. O que não atendeu ao intento da empresa, que era obter certidão negativa. Tanto, que a própria advogada, na interceptação telefônica, reconhece que não houve qualquer beneficio à empresa"
MidiaNews: Essa decisão do senhor, relacionada à Encomind, é de que ano?
Julier: O processo é de 2011 e, a sentença, é de fevereiro de 2012.
MidiaNews: E do se trata, especificamente?
Julier: Havia uma discussão tributária da empresa Encomind com a Receita Federal. Pelo que eu me lembro, eu deferi, parcialmente, o pedido. Concedi parcialmente a segurança, apenas para excluir e mandar a Receita contabilizar e constituir os créditos da empresa. O que não atendeu ao intento da empresa, que era obter certidão negativa. Tanto, que eu tive acesso ao processo, e a própria advogada, na interceptação telefônica, reconhece que não houve qualquer beneficio à empresa.
MidiaNews: O senhor conhece o dono da empresa? São amigos?
Julier: Eu o conheço do mesmo modo que conheço praticamente Cuiabá inteira... Eu sempre recebo, em meu gabinete, todas as pessoas, advogados, partes, empresários... E vou continuar recebendo, evidentemente. Até porque sempre assim procedi. Então, acho importante deixar efetivamente relacionado do que se trata, senão, daqui a pouco, a gente será envolvido em outras questões que não nos dizem respeito.
MidiaNews: Essa decisão que o senhor deu, do ponto de vista técnico, pode ser considerada normal?
Julier: Sim. É uma decisão comum de juiz, no processo. Pelo que verifiquei, o processo devia estar concluso. Eu julguei o processo, como julgo todos os processos, até porque minha Vara não acumula processos.
MidiaNews: Então porque o senhor acredita que foi relacionado a essa operação?
Julier: Pelo que entendi, a ligação seria de que eu poderia ser amigo do proprietário da Encomind, que era o alvo das investigações de factorings. Agora, evidentemente, que isso não tem repercussão jurídica, porque ele não é meu amigo íntimo. Eu o conheço, como conheço qualquer pessoa em Cuiabá. Inclusive, o dono da Encomind me foi apresentado pelo senador Pedro Taques, quando ele era procurador da República, porque o empresário estava com o jornalista Sávio Brandão, quando do seu homicídio. Agora, o fato de termos amigos em comum não significa que somos amigos. Então, tenho total tranquilidade, porque julguei esse processo como tenho julgado todos os processos regularmente. E, ressalto: a própria parte reconhece que não houve qualquer benefício à empresa.
"Me sinto indignado, porque sempre pautei meu trabalho, sempre agi, para que meu nome fosse uma referência de ética e honestidade na sociedade mato-grossense"
Julier: Exato. No processo diz que a empresa queria a revisão do saldo devedor, expurgar o valor decadente e, depois, ainda, que fosse expedida a autorização e a certidão de tributos negativos. Ou seja, entendi que isso não era possível. O pedido foi atendido apenas parcialmente, limitadamente. E a empresa, pelo que eu vi nos autos, esse processo hoje está em grau de recurso, de apelação no Tribunal. E pelo que eu tive acesso, nas interceptações feitas durante a investigação, a própria advogada reclama que a empresa teve que pagar o débito à Receita.
MidiaNews: Quer dizer que, objetivamente, a sua decisão não beneficiou em nada a empresa?
Julier: Não. Ela delimitou uma questão, e foi julgada dentro daquilo que me compete.
MidiaNews: O senhor tem um histórico de decisões importantes como juiz, a exemplo da Operação Arca de Noé, quando o senhor mandou para a cadeia o ex-bicheiro João Arcanjo e outras pessoas ligadas a ele. Como o senhor se sente agora, diante dessa situação, de ser alvo de uma operação da Polícia Federal?
Julier: Olha, me sinto indignado, porque sempre pautei meu trabalho, sempre agi, para que meu nome fosse uma referência de ética e honestidade na sociedade mato-grossense. Foi uma surpresa extremamente desagradável. Até porque nunca me foi pedida qualquer explicação sobre essa questão, sobre essa minha decisão referente a essa empresa.
Midianews: O senhor está dizendo que deveria ter sido questionado sobre essa decisão, por meio de outro expediente, que talvez evitasse a busca e apreensão?
Julier: Eu não vou recomendar como deveria se proceder a Justiça, evidentemente.
MidiaNews: Mas seria praxe o senhor ter sido questionado?
Julier: Sem dúvida nenhuma. Efetivamente, para se desfazer a dúvida, me parece razoável que eu poderia ter sido ouvido. Ou seja, me imputaram algo em relação à empresa Ecomind que não existiu. Repito: eu julguei um processo de modo isento, e a própria empresa reconhece que minha decisão não lhe foi favorável.
MidiaNews: Do ponto de vista jurídico, o que o senhor vai fazer daqui para frente?
"O dono da Encomind me foi apresentado pelo senador Pedro Taques, quando ele era procurador da República. Não sou amigo desse empresário; temos amigos em comum"
MidiaNews – O senhor teme algum tipo de investigação, no desenrolar desse processo?
Julier: Eu sou juiz há 18 anos, sempre tive uma vida reta e pautada por princípios. Nunca tive qualquer problema nesse aspecto. Muito pelo contrário, julguei o então comendador João Arcanjo Ribeiro, aquele que era o grande poderoso do Estado, do ponto de vista econômico e financeiro. E foi graças a essa retidão moral que conseguimos colaborar para melhorar Mato Grosso. Espero que as coisas caminhem tranquilamente, como elas devem ser.
MidiaNews: O advogado Fernando Henrique Nogueira, que representa o senhor, sustentou que haveria motivação política nessa operação. Que essa busca e apreensão teria objetivo de tentar arranhar sua imagem e prejudicar uma eventual entrada do senhor na vida política eleitoral. O senhor concorda?
Julier: Olha, eu não tive acesso, ainda, aos autos. Talvez o advogado tenha mais condições de falar sobre essa questão. Eu só tive acesso a isso que estou dizendo, que é o fato que ensejou essa investigação. Do meu ponto de vista, estou tranquilo, estou transparentemente dizendo que não há nada nesse aspecto. E no que se refere a eventual motivação, eu acredito que ai o advogado tem mais condições de falar, pois ele já teve acesso aos autos. A princípio, o fato que ensejou a abertura, inclusive em separado, dessa investigação, foi que, em diálogos fortuitos, apareceu essa questão da empresa, que volto a frisar, não tem nenhuma ligação envolvendo as factorings da Operação Ararath.
MidiaNews: Mas, ínsito: o senhor admite que pode ter havido uma intenção, um objetivo escuso para tentar macular a sua imagem e prejudicar uma eventual carreira na política?
"Eu sou juiz há 18 anos, sempre tive uma vida reta e pautada por princípios. Julguei o Arcanjo, que era o grande poderoso do Estado. E foi graças a essa retidão moral que conseguimos colaborar para melhorar Mato Grosso"
MidiaNews: Mas é inegável que o nome do senhor vem ganhando projeção política, em relação as eleições do ano que vem. Não seria muita coincidência que uma investigação, iniciada em 2011, se desdobrasse somente agora, às vésperas do jogo eleitoral?
Julier: Eu tenho sido bastante honrado, com convites, com ponderações, com conversas e com incentivos por parte da população mato-grossense. Eu não decidi nada ainda sobre essa possibilidade (de entrar na política), como é publico e notório. Como é público e notório que várias lideranças políticas me procuram, e eu recebo a todos, como frisei aqui, e vou continuar recebendo, com grande honradez. Acho que as portas do Judiciário têm que estar abertas para que as pessoas possam falar com o juiz, ainda que seja nesse aspecto, para um convite. E a decisão será tomada no momento certo. Nós vamos analisar se esses convites e incentivos são balizadores para a nossa decisão, no momento adequado.
MidiaNews: O senhor admite que o impacto dessa ação da Polícia Federal possa lhe prejudicar num eventual início de carreira política? O senhor não acha que poderiam querer colocar um “carimbo” negativo em sua imagem?
Julier: Acho que têm pessoas que poderiam se sentir felizes, e até se beneficiar, com isso. Como também têm pessoas que podem se sentir tristes com esse episódio. Acho que tem hipóteses para os dois lados... Eu acho que as coisas tem que ser encaminhadas para o esclarecimento; para que as questões sejam restauradas, ao final. Nós vamos sempre confiar, plenamente, naquilo que a Justiça tomar de providência, até porque sou juiz e sempre honrei essa toga que envergo.
MidiaNews: O senhor acredita que esse episódio, de alguma maneira, pode arranhar a sua imagem de magistrado?
Julier: Creio que alguns episódios, na vida da gente, servem para que nós saiamos maiores deles. Acho que vou sair desse episódio maior do que entrei. Tenho uma história reconhecida pelo povo mato-grossense. Acho que a sociedade é sábia, e vai saber identificar todas as questões desse episódio. Espero continuar a manter essa harmonia que mantenho com a população. Rogo por essa confiança, e vice-versa.
MidiaNews: O senhor está se sentindo injustiçado?
"Acho que têm pessoas que poderiam se sentir felizes, e até se beneficiar, com isso. Como também têm pessoas que podem se sentir tristes com esse episódio"
MidiaNews: O senhor continua trabalhando normalmente?
Julier: Continuo e vou continuar trabalhando normalmente, não tenho porque me envergar a nada. Vou continuar como sempre fiz, ao longo dos meus 18 anos de magistratura.
MidiaNews: Com a família do senhor está reagindo a esses acontecimentos?
Julier: É um momento muito dolorido. Tenho procurado conversar, acomodar e acarinhar. E dizendo à minha família que essas são dificuldades próprias da vida, que devemos enfrentar de cabeça erguida e supera-las.
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