THAIZA ASSUNÇÃO
DO MIDIANEWS
A Secretaria de Estado de Cultura (SEC) adiou o evento “Liberdade: Mostra de Cinema Negro”, que estava com a estreia marcada para essa terça-feira (15), em Cuiabá, após uma confusão entre a empresa organizadora, a Donamaria Produções Criativas, e representantes de movimentos sociais.
A polêmica começou na última semana, quando diversas entidades assinaram uma nota aberta de repúdio contra a ausência de cineastas negros mato-grossenses na programação do evento.
Eles se manifestaram também contra o nome escolhido pela empresa em uma das sessões, denominada “Deu Branco”, que previa a exibição de filmes de cineastas brancos, mas com temáticas negras.
Na tentativa de resolver a situação, a SEC convocou uma reunião, na última sexta-feira (11), para reestruturar a programação da mostra.
No encontro, porém, segundo contou a produtora cultural Amanda Nery ao MidiaNews, o empresário João Manteufel, dono da Donamaria, teria feito intimidações contra o produtor cultural André Eduardo de Andrade.
“Na reunião, ficou decidido que a Secretaria de Cultura iria chamar um grupo de trabalho e construir coletivamente uma nova programação. O João esperou quase todo mundo ir embora e disse de modo grosseiro e autoritário ao André que aquela programação teria que ser finalizada até o meio dia de sábado, um completo absurdo. Os ânimos se exaltaram e o João colocou o dedo na cara do André e levantou o tom de voz. Nesse momento, eu me coloquei fisicamente entre os dois e gritei que não admitia que ninguém humilhasse um negro na minha frente. Ele, então, colocou o dedo na minha cara e me intimidou a bater no seu rosto, o que não fiz e nunca faria”, disse Amanda Nery.
“Ele [João] continuou gritando e avançando cada vez mais perto até outras pessoas intervirem. Ele é um racista, repito, um racista. Que palavra mais usar para descrever uma pessoa que diz que o Dia da Consciência Negra não deveria existir? Que é tão ignorante a ponto de se referir a um homem negro como 'negão' em uma reunião para discutir racismo?”, questionou.
Procurado pela reportagem, o secretário de Estado de Cultura, Leandro Carvalho, disse que repudia qualquer forma de preconceito.
“Eu não estava na reunião, não sei detalhes do episódio, mas eu, em nome da secretaria e do Governo do Estado repudio toda e qualquer forma de preconceito. Essa gestão está a lutar para acabar com preconceito de raça, de gênero, de religião, enfim”, disse.
O secretário explicou que a empresa não foi contratada pela secretaria para realizar o evento. Segundo ele, a SEC apenas deu apoio ao projeto, com recurso pequeno e disponibilização de um espaço, no Cine Teatro de Cuiabá. Ainda não há uma nova data para a realização da mostra.
“A proposta realmente se mostrou frágil, incompleta. Então por isso nós suspendemos a realização, para que possa ser construída uma nova programação coletivamente. Queremos que as coisas aconteçam da melhor forma possível”, pontuou.
Outro lado
Ao MidiaNews, o empresário João Manteufel negou as acusações de racismo e afirmou que irá tomar providências judiciais cabíveis contra os produtores culturais. Ele também adiantou que irá se posicionar em breve para explicar sua versão dos fatos.
Nesta terça, João Manteufel divulgou nota sobre o episódio. Leia abaixo:
Acerca da suspensão do evento LIBERDADE – MOSTRA DE CINEMA NEGRO, a Donamaria Produções Criativas esclarece que nossa participação no evento limitava-se ao registro fotográfico e filmográfico do evento. Questões atinentes às escolhas de filmes, participantes e roteiro de palestras, competem exclusivamente à curadoria.
Lamentavelmente na reunião ocorrida no dia 11/nov, na sede do Palácio da Instrução, os colaboradores da Pasta foram hostilizados a ponto de serem obrigados a se retirarem do local.
Lamentamos pelo curador Dioney Garrijo que também foi agredido com uma profunda falta de respeito. O evento demanda divulgação do ciclo de palestras e vídeos que compreendem planejamento. Por mais democrática que tenha sido a montagem do programa, sugestões de última hora prejudicaram o fechamento do material finalizado.
Quanto às colocações realizadas na reunião, reputamos como infelizes: a identidade negra, com sua riqueza, singularidade, diversidade, está muito bem representada pelo programa proposto. A acusação de que os organizadores “não são negros o suficiente” ou “não há negros na direção” para planejar e executar o evento é, não só infeliz, como preconceituosa. Temos raízes negras evidentes, vivendo no seio da cuiabania por gerações, fato que nos orgulha imensamente.
Ademais, limitar a representatividade negra e reduzi-la dessa forma é discriminar às avessas todos aqueles que podem e devem dar uma contribuição relevante em matéria cultural, mesmo que não sejam negros. Trata-se de uma discussão ideológica pobre, maniqueísta que, no fundo, reflete o interesse comercial por um mercado fechado e excludente.
Ofensas pessoais e ao trabalho profissional desenvolvido pela produtora não passarão incólumes. Serão objeto de ação própria na esfera cível e criminal.
Não aceitamos a formação de “nichos de mercado”. As propostas públicas de um governo transparente devem oportunizar a participação de todos, indistintamente, sob pena de se dar o racismo às avessas. O único critério que deve nortear qualquer produção pública é o talento como o curador tem demonstrado.
Esperamos da SEC-MT a manutenção da programação, em respeito aos organizadores, colaboradores e o povo mato-grossense interessado em conhecer e divulgar a cultura e identidade negra que marca profunda e positivamente o Estado de Mato Grosso.
A mostra de cinema negro é uma iniciativa da Secretaria de Cultura que precisa ser apoiada e aplaudida por toda a comunidade cultural e pelo público de cinema.
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