RICARDO BALTHAZAR
DA FOLHA DE S.PAULO
Mantida a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou a quatro o número de casos em que o juiz federal Sergio Moro contrariou decisões de tribunais superiores desde o início da Lava Jato. Em três desses casos, ele conseguiu o que queria.
Responsável pelas ações da operação no Paraná, Moro só recuou uma vez até agora, ao cancelar a ordem para que o ex-ministro José Dirceu fosse monitorado por tornozeleira eletrônica após sua libertação pelo Supremo Tribunal Federal, na semana passada.
O episódio de domingo, quando Moro mandou a Polícia Federal ignorar a ordem do juiz federal Rogério Favreto para soltar Lula, foi o segundo em que ele se insurgiu contra uma decisão superior por considerar que o magistrado responsável não tinha jurisdição para lidar com o caso.
No fim de abril, um juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Leão Aparecido Alves, mandou suspender o processo de extradição do empresário Raul Schmidt, que é naturalizado português, vive em Portugal e é tratado pela Lava Jato como foragido da Justiça.
Moro se recusou a retirar o pedido de extradição, argumentando que a vara em que atua é subordinada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região e que, por isso, juízes da outra região não podem interferir em seu trabalho. "Apesar de todo o respeito que lhe cabe, [o TRF-1] não tem jurisdição sobre o assunto", disse.
O Superior Tribunal de Justiça cassou a decisão do TRF-1 e autorizou a continuidade do processo de extradição, que é conduzido pelo Ministério da Justiça. Ao tomar a medida, o ministro Sérgio Kukina disse que só o STJ tem autoridade para tanto, e que nem Moro nem Leão têm jurisdição quando atos do ministério são contestados na Justiça.
A liminar que contrariou Moro foi derrubada, mas a defesa de Schmidt conseguiu barrar a extradição nos tribunais portugueses e ele continua longe do alcance da Lava Jato. "A decisão de Moro nesse caso foi atrevida e desrespeitosa", diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, que representa Schmidt.
No caso de Lula, a ordem de Favreto para soltar o líder petista foi dirigida à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso, e não a Moro. Embora tenha condenado o ex-presidente, o juiz de Curitiba não é o responsável pelo acompanhamento da execução da pena.
Mesmo assim, a Polícia Federal seguiu a determinação de Moro, que mandou ignorar a ordem de Favreto até que o juiz João Pedro Gebran Neto, relator das ações da Lava Jato no TRF-4, se pronunciasse.
"Um juiz de primeiro grau determinar o descumprimento de uma ordem de tribunal superior é algo totalmente descabido em nosso ordenamento", diz o professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio.
Nesta terça (10), ao manter Lula na prisão, a presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, criticou Favreto e elogiou Moro. Para ela, o juiz de Curitiba agiu "com oportuna precaução" ao se deparar com uma "esdrúxula situação processual".
Moro fez seu movimento mais audacioso em maio de 2014, quando a Lava Jato ainda estava no início e o ministro Teori Zavascki, do STF, mandou suspender as investigações e soltar todos que tivessem sido presos pela operação.
Em vez de simplesmente cumprir a decisão, Moro soltou o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pediu esclarecimentos a Teori sobre os demais presos, argumentando que havia envolvidos com tráfico de drogas e lavagem de dinheiro entre eles.
Teori reviu sua ordem após o questionamento, permitindo que a Lava Jato avançasse nos anos seguintes. Em 2016, ele declarou ilegal a decisão de Moro de divulgar conversas telefônicas de Lula gravadas com sua autorização, mas não houve sanção ao juiz em nenhuma instância do Judiciário.
Como Moro reagiu às decisões dos tribunais
Paulo Roberto Costa
Em 2014, a pedido do ex-diretor da Petrobras, o STF mandou soltar todos os presos da Lava Jato e suspender as investigações. Moro soltou Costa e convenceu o STF a recuar
Raul Schmidt
Em abril deste ano, um juiz do TRF-1 mandou parar o processo de extradição do empresário, que vive em Portugal. Moro disse que só se submete ao TRF-4. O STJ cassou a liminar do TRF-1
José Dirceu
Em junho, o STF libertou o ex-ministro, condenado por Moro a mais de 27 anos de prisão. O juiz obedeceu, mas mandou Dirceu usar tornozeleira eletrônica. O STF o obrigou a cancelar a medida
Luiz Inácio Lula da Silva
No domingo (8), quando o juiz Rogério Favreto mandou soltar o líder petista, Moro mandou a Polícia Federal ignorar a ordem e esperar outro juiz se pronunciar. A prisão foi mantida
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