CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO
O promotor Allan Sidney do Ó Souza avaliou como "verdadeira" a versão exposta em depoimento do cabo da PM Gerson Correa sobre os grampos ilegais no Estado.
O cabo Gerson prestou depoimento ao juiz Murilo Mesquita, da 11ª Vara Militar do Fórum de Cuiabá, e a coronéis na madrugada de sábado (28).
O promotor diz que o depoimento, que contou com mais de 5 horas de relatos de como funcionava o esquema de interceptações telefônicas em Mato Grosso por meio de “barriga de aluguel”, vem ao encontro das provas colhidas nos autos do processo.
“O interrogatório do cabo Gerson foi completo, minucioso, o que deixa claro e evidente que a versão dele – junto com as provas vertidas nos autos – é verdadeira. E portanto, agora a procedência da ação ganhou um contorno muito mais sólido”, disse o promotor.
O interrogatório do cabo Gerson foi um interrogatório completo, minucioso, o que deixa claro e evidente que a versão dele – junto com as provas vertidas nos autos – é verdadeira
De acordo com Allan Sidney, os autos apresentavam provas da criação de um escritório montado para a realização de interceptação telefônica, e o depoimento do cabo corroborou a existência clandestina da sala.
Os depoimentos dos réus envolvidos na ação penal tiveram início às 14h de sexta-feira (27). Foram ouvidos o ex-comadante Zaqueu Barbosa, os coronéis Evandro Lesco, Ronelson Barros e Januário Batista, e todos negaram participação no esquema.
O promotor diz que mesmo com a negativa dos réus, isso não os exime de uma possível condenação.
“O depoimento dele [cabo Gerson] foi bombástico, uma surpresa para nós. Mas é importante lembrarmos que não é sempre que há uma confissão que necessariamente a ação poderá virar uma condenação. Muitas vezes, valendo no direito constitucional de ficar em silêncio, o réu nega uma imputação e nem por isso é absolvido”, afirma.
Conforme o promotor, por Gerson ter revelado todo o processo de criação do esquema de grampos telefônicos no Estado, ele tem benefícios – ainda a serem estudados – que se amoldam a lei de proteção aos réus colaboradores. O que não valeria para o caso do coronel e ex-comandante-geral, Zaqueu Barbosa.
“O cabo Gerson confessou voluntariamente, de forma completa, os fatos. Isso, em tese, se amolda ao benefício da colaboração premiada. [...]. O coronel Zaqueu optou por negar a participação dele nos fatos. Nós entendemos que a negativa dele está isolada nos autos. Há uma enxurrada de provas no sentido contrário, não só pela confissão do cabo Gerson, mas nós já tínhamos formado esse juízo de valor a esse respeito. Então a situação do coronel Zaqueu é bem diferente da do Gerson”, disse.
A respeito dos outros réus, o promotor explica que a situação dos coronéis Barros e Januário é “mais tranquila”, já que não há provas de que eles participaram do esquema de grampos.
“O que posso dizer é que com relação dos três coronéis mencionados, para dois [Barros e Januário] a situação está um pouco mais tranquila, mas não quero ser açodado. Talvez a absolvição deles não seja de todo absurda. Já em relação ao coronel Lesco, a situação não é da mesma toada dos outros coronéis”, disse.
Conforme ação, o coronel Barros é apontado como um dos policiais responsáveis por aperfeiçoar o sistema “Sentinela” [utilizado para fazer grampo]. Em seu depoimento, Barros contou que Gerson o chamou para dar a opinião técnica sobre o sistema, mas que não tinha ciência que o programa seria usado para realização de “barriga de aluguel”.
Alair Ribeiro/MidiaNews
Cabo Gerson: "Qual o interesse do coronel em interceptar essas pessoas? É claro que era do Paulo Taques e do governador, eu não tenho dúvidas".
No caso do coronel Januário, foi ele quem cedeu um dos policiais militares para integrar o esquema dos grampos. No entanto, em seu depoimento negou ter ciência do esquema de grampos.
Já o coronel Lesco é apontado como financiador da criação do sistema sentinela. Na ação, ele é apontado por dar R$ 24 mil a Gerson para a criação do programa. Lesco nega a participação no esquema, e diz que o dinheiro foi dado a título de empréstimo pessoal a Gerson, que não devolveu.
Depoimento do cabo
Em seu depoimento, o cabo contou que em 2014 foi chamado pelo coronel Zaqueu Barbosa para criar um escritório para interceptar policiais militares que estariam cometendo desvios de conduta.
Segundo sua confissão, esse escritório, que foi montado por Gerson e aperfeiçoado por outros policiais militares, foi financiado pelo ex-secretário da Casa Civil Paulo Taques.
Os trabalhos na sala de interceptação começaram, conforme Gerson, em setembro de 2014 com interceptações feitas a policiais militares.
No entanto, na semana que antecedeu a eleição de outubro daquele ano, ele conta ter recebido do coronel Zaqueu mais uma leva de números que correspondiam a “barriga de aluguel”. Estes números seriam de políticos adversários, jornalistas e advogados.
“Indiretamente você sabe que os interesses não eram do coronel Zaqueu. Qual o interesse do coronel em interceptar essas pessoas? É claro que era do Paulo Taques e do governador, eu não tenho dúvidas”, disse o cabo Gerson em seu depoimento.
Em outubro de 2015, Gerson recebeu ordem de Zaqueu para interromper todos os trabalhos porque havia ocorrido um vazamento.
“Encerramos o expediente, procurei Torezan e falei: encerra tudo. O projeto está interrompido por determinação do comandante-geral. Na hora não fiquei sabendo o motivo, fiquei sabendo depois”, afirmou.
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